Como lidar psicologicamente com o câncer

 07/02/2022 


"O emocional é invisível. Diferente de um machucado externo, por exemplo, emoções são internas, só que também precisam de tratamento”. A frase dita pela psicóloga voluntária do Grupo de Assistência e Tratamento Oncológico Pediátrico do ABC (Grato ABC) Milene Lopes, é um alerta principalmente aos pacientes, acompanhantes e à equipe médica que lida rotineiramente com casos de câncer.

Entre o diagnóstico e a plena recuperação, o medo e a angústia podem dar lugar a quadros depressivos e de ansiedade. E tais transtornos mentais potencializam negativamente o combate ao câncer em si. 

Trabalhando com a área de oncopediatria desde 2017, Milene reconhece que o tema torna-se ainda mais complexo diante da particularidade de cada história prévia de vida, do diagnóstico e da intensidade do tratamento indicado. "Todos os casos que atendemos são importantes, justamente por suas particularidades. Já atendi psicologicamente pacientes oncológicos com poucos meses de vida, crianças órfãs ou com pais/responsáveis que estão em situação de rua”, compartilha. 


Associar a doença com a morte ainda é um dos primeiros impactos nos acompanhantes após o diagnóstico


“O familiar tende a imaginar que perderá seu ente e isto naturalmente é doloroso”, explica a psicóloga. De acordo com ela, os procedimentos e o tratamento oncológico normalmente são desconhecidos pelos familiares, o que aumenta o estigma em torno da doença e o impacto inicial ao receber o diagnóstico.

Enquanto o paciente infantil não entende o que está acontecendo e só passará a viver os acontecimentos, a reação dos pais é compreensível. “Ela deve ser respeitada e é totalmente necessária para assimilação”, destaca.

Vale lembrar que lidar com a doença afeta não somente o paciente e a família, mas rotineiramente é uma questão também enfrentada por profissionais da área da saúde e do ambiente hospitalar.

“Para a equipe também é difícil, pois não é um tratamento curto. Acompanhamos o paciente, do início à alta, sem contar com o período de manutenção/acompanhamento. Tenho pacientes que acompanho há 5 anos! É raro a equipe não se apegar, e, por isto, é tão dolorido quando perdemos um paciente”, diz.

Preparo mental


“O meu conselho vale até para quem não está envolvido de alguma forma pela temática do câncer: todos devem procurar tratamento psicológico. Há questões que precisamos resolver e nem mesmo sabemos! Nosso emocional precisa ser avaliado regularmente, da mesma forma como passamos com médicos de rotina”, pontua a psicóloga Milene Lopes


Profissionais da saúde - Milene relata que o suporte psicológico para a equipe que lida no cotidiano com os casos também é habitualmente fornecido pelo profissional de Psicologia do ambulatório, com recursos de conversa e direcionamentos individuais. 


Pacientes -
Como exemplo de atenção à saúde mental, a psicóloga menciona as práticas de humanização. Já para crianças diagnosticadas com a doença, são exemplos, a destinação de momentos para brincadeira entre as rotinas de quimioterapia, além do investimento de alguns ambulatórios em ambientes mais coloridos e lúdicos. 

Exemplo de ambiente lúdico no Ambulatório de Oncopediatria da
Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) * Foto de 2015




Acompanhantes - Milene explica que alguns ambulatórios contam com atendimento psicológico estendido também para os pais, responsáveis e acompanhantes em geral. Mas que a dica para quem está de perto neste momento delicado é se portar pensando no bem-estar do diagnosticado; isto envolve "desabafar os medos" com a equipe médica, mas passar otimismo ao paciente. “O pensamento deve ser ‘qual a próxima ação que posso fazer para animar esta pessoa que amo tanto?’”, recomenda.

Voluntários no ambiente hospitalar - “Quando fazemos o bem, o coração se enche, não é? Ficamos com vontade de fazer mais. Acho que este sentimento é o que move um voluntário também. Para este público é importante a mentalidade e a resiliência de que se está somando à equipe médica e agregando ao tratamento, à família e ao paciente. Isto é importante para os voluntários se fortalecerem diante da situação”, esclarece.


Para encerrar, Milene recorda a frase do "padrinho mágico do Big Riso", Dr. Jairo Cartum (que também é professor responsável pela Oncologia Pediátrica da Faculdade de Medicina do ABC, além de mestre e doutor em Medicina pela USP, na especialidade de Oncologia Pediátrica).

“Há uma frase do Dr. Jairo que deveria até ser patenteada (risos). Ele diz que nos dias de vida, precisamos dar vida aos dias. A qualidade do tratamento deve ser priorizada no sentido de humanização e também da psicologia. Reforço que não podemos esquecer nunca da nossa saúde mental, ainda mais diante do câncer!”.

Dra. Milene Lopes, psicóloga voluntária do
Grupo de Assistência e Tratamento Oncológico Pediátrico do ABC (Grato ABC)